quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica 2012, de Marcello Simão Branco e Cesar Silva



Há nove anos, o Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica, de Marcello Simão Branco e Cesar Silva, cuida da produção publicada no País, documentando-a em suas particularidades estatísticas e qualitativas. Por literatura fantástica, aqui, deve-se entender os gêneros que vão além das fronteiras da realidade conforme experimentada pelos nossos sentidos – e não a teorização sobre o fantástico promovida sistematicamente por T. Todorov. O Anuário é publicado, obviamente, no ano seguinte ao tomado como análise – ou seja, o lançado neste ano trata do ano passado, 2012. Para suprir uma carência, o relativamente pequeno alcance da produção nacional de horror, fantasia e ficção científica junto ao público leitor, o foco recai sobre as publicações brasileiras. As traduções de textos estrangeiros, contudo, também são levadas em conta pelos autores.

Tradicionalmente, o Anuário procura cobrir em várias frentes os doze meses que toma como análise. Há a sessão que compila as listas dos prêmios literários nacionais e internacionais, na qual as informações acerca dos premiados são reunidas para constituir uma visão panorâmica das obras e dos autores que se destacaram nas premiações do ano. Medir a repercussão de determinadas obras entre críticos e fãs se torna uma tarefa simples: não é incomum a presença de um mesmo texto em premiações diferentes, assinalando fortemente uma tendência rumo ao cânone particular de cada gênero. Em 2012, por exemplo, tivemos a sintomática premiação do romance Amog Others, de Jo Walton, no Nebula, no Hugo e no British Fantasy.

Também é fixa a sessão de obituários, com informações pontuais sobre a vida e a obra das personalidades – escritores, editores e fãs ilustres – que faleceram no ano. Sem minimizar o impacto das outras perdas, na edição de 2012 o falecimento de Ray Bradbury é o triste destaque: além de uma lista completa das edições publicadas no Brasil e em Portugal, há um texto de fôlego sobre a carreira desse autor tão lido e admirado também pelos brasileiros.

Um dos pontos altos do Anuário é a cuidadosa análise do mercado, com textos embasados em levantamentos estatísticos. O levantamento pormenorizado das publicações do ano não tem paralelos no Brasil, e serve como nenhum outro para análises de tendências do mercado editorial. Graças ao Anuário é possível, por exemplo, afirmar que os últimos anos têm sido singulares para a publicação de literatura fantástica no País, uma vez demarcado numericamente um progressivo crescimento no volume de edições.

O Anuário de 2012 traz, ainda, as habituais resenhas. Auxiliando Silva e Branco frente ao grande volume de obras a serem discutidas, algumas resenhas são assinadas Álvaro Domingues. Não há prejuízo: suas análises possuem equilibradas quantias de informação e de avaliação crítica. No volume do ano estão resenhados, entre outros, Contos do Sul, de Simone Saueressig, Descobrimentos, de João Batista Melo, Estranhas Invenções, organizado por Ademir Pascale, Geração Subzero, organizado por Felipe Pena, O Grito do Sol Sobre a Cabeça, de Brontops Baruq (leia minha resenha dessa coletânea aqui), Kaori e o Samurai sem Braço, de Giulia Moon, Sozinho no Deserto Extremo, de Luiz Brás, Trilhas do Tempo, de Jorge Luiz Calife, e A Máquina Diferencial, de William Gibson e Bruce Sterling.

Acerca das obras escolhidas para análise, algumas palavras sobre mercado e valoração literária vêm a calhar. Embora o Anuário se dedique a uma análise pormenorizada do mercado e de seu momento atual, ele não se subordina ao mercado. Quer dizer, a seleção das obras a serem resenhadas não se deixa orientar acriticamente por listas de “mais vendidos”, mas pelo que cada texto tem de potencialmente singular. Mostra disso é que a maioria das resenhas são positivas; não parece haver tempo e nem espaço a perder com o que não passa de pastiche servil. Se há críticos rancorosos que preferem cuidar das obras mal realizadas para apontar-lhes os problemas, há outros que preferem voltar os olhos principalmente para a literatura que alcança suas potencialidades – no mais, o próprio silêncio pode ser um juízo crítico incisivo como poucos. Os autores do Anuário parecem fazer parte do segundo tipo, fomentadores da literatura que se realiza plenamente.

Na edição de 2012, a “personalidade do ano” escolhida para uma longa entrevista, concedida a Branco e Silva, é Simone Saueressig. Os motivos apontados são a qualidade de seus textos e sua alta produtividade em 2012 (três livros e contos em antologias). A escolha se justifica na leitura da entrevista, bastante fértil e transcrita de forma a preservar a cadência própria da fala. A conversa é fundamentalmente sobre a escrita da autora, das primeiras tentativas aos textos mais maduros de hoje, e rende bastante.

O volume traz ainda a costumeira seção “Efemérides”, onde eventos importantes da história da ficção científica, do horror e da fantasia brasileiros são registrados e analisados, com uma janela cronológica mínima de vinte anos. Há resenhas de textos do passado, como o clássico Sombras de Reis Barbudos, de José J. Veiga.

Por fim, encerra a edição o ensaio do “Convidado especial” Ivan Carlo Andrade de Oliveira, “A ficção científica nas histórias em quadrinhos brasileiras”. O pesquisador corresponde ao que normalmente se espera da sessão: um discurso mais inclinado para a pesquisa acadêmica e um teor que escapa do âmbito da crítica militante.

O Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica 2012 mantém o nível das edições anteriores e, como elas, se oferece como um instrumento indispensável para aqueles interessados em conhecer a ficção científica, o horror e a fantasia em suas particularidades nacionais. Não se trata de uma análise fria e distanciada do mercado brasileiro, mas comprometida com seu avanço e desejosa de que esse avanço se dê de forma saudável. Como os anuários passados, é uma edição que serve tanto aos pesquisadores quanto a qualquer um que procure indicações seguras de leitura, embasadas em um conhecimento da literatura fantástica pouca vezes visto.