Há
nove anos, o Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica, de Marcello Simão
Branco e Cesar Silva, cuida da produção publicada no País, documentando-a em
suas particularidades estatísticas e qualitativas. Por literatura fantástica,
aqui, deve-se entender os gêneros que vão além das fronteiras da realidade
conforme experimentada pelos nossos sentidos – e não a teorização sobre o
fantástico promovida sistematicamente por T. Todorov. O Anuário é publicado,
obviamente, no ano seguinte ao tomado como análise – ou seja, o lançado neste
ano trata do ano passado, 2012. Para suprir uma carência, o relativamente
pequeno alcance da produção nacional de horror, fantasia e ficção científica junto
ao público leitor, o foco recai sobre as publicações brasileiras. As traduções
de textos estrangeiros, contudo, também são levadas em conta pelos autores.
Tradicionalmente,
o Anuário procura cobrir em várias frentes os doze meses que toma como análise.
Há a sessão que compila as listas dos prêmios literários nacionais e
internacionais, na qual as informações acerca dos premiados são reunidas para
constituir uma visão panorâmica das obras e dos autores que se destacaram nas
premiações do ano. Medir a repercussão de determinadas obras entre críticos e
fãs se torna uma tarefa simples: não é incomum a presença de um mesmo texto em
premiações diferentes, assinalando fortemente uma tendência rumo ao cânone
particular de cada gênero. Em 2012, por exemplo, tivemos a sintomática
premiação do romance Amog Others, de
Jo Walton, no Nebula, no Hugo e no British Fantasy.
Também é fixa
a sessão de obituários, com informações pontuais sobre a vida e a obra das
personalidades – escritores, editores e fãs ilustres – que faleceram no ano.
Sem minimizar o impacto das outras perdas, na edição de 2012 o falecimento de
Ray Bradbury é o triste destaque: além de uma lista completa das edições
publicadas no Brasil e em Portugal, há um texto de fôlego sobre a carreira
desse autor tão lido e admirado também pelos brasileiros.
Um dos pontos
altos do Anuário é a cuidadosa análise do mercado, com textos embasados em
levantamentos estatísticos. O levantamento pormenorizado das publicações do ano
não tem paralelos no Brasil, e serve como nenhum outro para análises de
tendências do mercado editorial. Graças ao Anuário é possível, por exemplo,
afirmar que os últimos anos têm sido singulares para a publicação de literatura
fantástica no País, uma vez demarcado numericamente um progressivo crescimento
no volume de edições.
O Anuário de
2012 traz, ainda, as habituais resenhas. Auxiliando Silva e Branco frente ao
grande volume de obras a serem discutidas, algumas resenhas são assinadas
Álvaro Domingues. Não há prejuízo: suas análises possuem equilibradas quantias
de informação e de avaliação crítica. No volume do ano estão resenhados, entre
outros, Contos do Sul, de Simone
Saueressig, Descobrimentos, de João
Batista Melo, Estranhas Invenções,
organizado por Ademir Pascale, Geração
Subzero, organizado por Felipe Pena, O
Grito do Sol Sobre a Cabeça, de Brontops Baruq (leia minha resenha dessa
coletânea aqui), Kaori e o Samurai sem
Braço, de Giulia Moon, Sozinho no
Deserto Extremo, de Luiz Brás, Trilhas
do Tempo, de Jorge Luiz Calife, e A
Máquina Diferencial, de William Gibson e Bruce Sterling.
Acerca das
obras escolhidas para análise, algumas palavras sobre mercado e valoração
literária vêm a calhar. Embora o Anuário se dedique a uma análise pormenorizada
do mercado e de seu momento atual, ele não se subordina ao mercado. Quer dizer,
a seleção das obras a serem resenhadas não se deixa orientar acriticamente por
listas de “mais vendidos”, mas pelo que cada texto tem de potencialmente
singular. Mostra disso é que a maioria das resenhas são positivas; não parece
haver tempo e nem espaço a perder com o que não passa de pastiche servil. Se há
críticos rancorosos que preferem cuidar das obras mal realizadas para
apontar-lhes os problemas, há outros que preferem voltar os olhos principalmente
para a literatura que alcança suas potencialidades – no mais, o próprio silêncio
pode ser um juízo crítico incisivo como poucos. Os autores do Anuário parecem
fazer parte do segundo tipo, fomentadores da literatura que se realiza
plenamente.
Na edição de
2012, a “personalidade do ano” escolhida para uma longa entrevista, concedida a
Branco e Silva, é Simone Saueressig. Os motivos apontados são a qualidade de
seus textos e sua alta produtividade em 2012 (três livros e contos em
antologias). A escolha se justifica na leitura da entrevista, bastante fértil e
transcrita de forma a preservar a cadência própria da fala. A conversa é
fundamentalmente sobre a escrita da autora, das primeiras tentativas aos textos
mais maduros de hoje, e rende bastante.
O volume traz
ainda a costumeira seção “Efemérides”, onde eventos importantes da história da
ficção científica, do horror e da fantasia brasileiros são registrados e
analisados, com uma janela cronológica mínima de vinte anos. Há resenhas de
textos do passado, como o clássico Sombras
de Reis Barbudos, de José J. Veiga.
Por fim,
encerra a edição o ensaio do “Convidado especial” Ivan Carlo Andrade de
Oliveira, “A ficção científica nas histórias em quadrinhos brasileiras”. O
pesquisador corresponde ao que normalmente se espera da sessão: um discurso
mais inclinado para a pesquisa acadêmica e um teor que escapa do âmbito da
crítica militante.
O Anuário Brasileiro
de Literatura Fantástica 2012 mantém o nível das edições anteriores e, como
elas, se oferece como um instrumento indispensável para aqueles interessados em
conhecer a ficção científica, o horror e a fantasia em suas particularidades
nacionais. Não se trata de uma análise fria e distanciada do mercado
brasileiro, mas comprometida com seu avanço e desejosa de que esse avanço se dê
de forma saudável. Como os anuários passados, é uma edição que serve tanto aos
pesquisadores quanto a qualquer um que procure indicações seguras de leitura,
embasadas em um conhecimento da literatura fantástica pouca vezes visto.