quarta-feira, 9 de abril de 2014

Hiperconexões - realidade expandida, organizado por Luiz Bras

Máquina de afetos

a lua não é sabedoria
o amor também não
ou a musa
o gato
a tosse
nem a palavra é

sabedoria são neurotransmissores
nos encaixes certos
sinapses
sinais
sina
                              Claudio Brites



Hiperconexões – Realidade expandida é uma antologia de proposta incomum: reúne poemas afins à ficção científica. Como gosta de lembrar Luiz Bras, organizador do volume, o gênero é definido (ou é reconhecível) pelo tema, e não pela forma. Tematicamente, assim, se dá o vínculo: como é recorrente nas narrativas de ficção científica, os poemas compilados tratam das particularidades científicas e tecnológicas contemporâneas e de seu impacto no homem. Obviamente, há um pequeno conflito taxionômico no uso da categoria, conflito que, longe de invalidar a proposta, sinaliza mais uma limitação do termo “ficção científica”.

Há alguns precedentes na literatura brasileira. Um exemplo conhecido de nossa comunidade de autores e leitores de ficção científica é André Carneiro, que escreve tanto em verso quanto em prosa e permite que os dois registros se interpenetrem. Um dos poemas de Espaçopleno (1963) tem, inclusive, o título “Ficção científica”. Carlos Drummond de Andrade é outro precedente: entre outros poemas, “A máquina do mundo” merece um estudo cuidadoso que o avalie à luz dos paradigmas próprios da ficção científica. Augusto dos Anjos é outro caso a ser pensado, em sua frequente exploração poética de termos e conceitos científicos.

Hiperconexões é uma antologia marcadamente contemporânea, disposta a tratar de um homem chamado de “pós-humano”. O termo, para este leitor, não é dos mais pertinentes na abordagem da contemporaneidade. Contudo, tratando-se de uma antologia literária, e não de uma compilação de ensaios teóricos, o importante é que os poemas conseguem promover no leitor um olhar distanciado acerca de tendências em curso. Tratam de um homem que perdeu referenciais antigos e abarca os novos com assombro, desdém ou maravilha. Nesse ponto a antologia evoca a tradição literária da ficção científica: desde seus primórdios, esta é uma das recorrências temáticas do gênero.

A lista de autores é ampla e expressiva: Ademir Assunção, Amarildo Anzolin, Ana Peluso, Andréa Catrópa, Braulio Tavares, Claudio Brites, Daniel Lopes, Edson Cruz, Elisa Andrade Buzzo, Fabrício Marques, Fausto Fawcett, Gerusa Leal, Ivan Hegen, Jane Sprenger Bodnar, Luci Collin, Marcelo Finholdt, Márcia Barbieri, Marco A. de Araújo Bueno, Mariana Teixeira, Marilia Kubota, Marize Castro, Ninil Gonçalves, Patricia Chmielewski, Renato Rezende, Rodrigo Garcia Lopes, Ronaldo Bressane, Sérgio Alcides, Thiago Sá, Valério Oliveira e Victor Del Franco.

Graças à provocativa e coesa proposta do organizador, o volume alcança uma unidade temática pouco vista. Contribui nisso a ausência do indicativo de autoria poema a poema – é preciso recorrer ao índice para saber quem escreveu cada um. Opção nada usual, traz à mente a diluição do conceito tradicional de autoria, diluição tão presente em tempos de uma poética acentuadamente apropriativa – ou seja, uma arte que explicitamente se constrói com base na referência e na colagem de trabalhos alheios. Ainda que alguns leitores tenham a impressão de que a ausência dos nomes dos autores abaixo do título de cada poema se deva a um erro editorial, o efeito obtido é justamente o de apresentar os textos como que misturados em uma espécie de autoria compartilhada. Os textos se vêem como que em uma hiperconexão.

Não que os poemas não sejam dotados de particularidades e demandem leituras também particularizadas. Pelo contrário: tematicamente homogênea, a antologia é heterogênea no que cabe às diferentes expressões poéticas. Da sobrecarga sensorial emulada por Fausto Fawcett, criando sentido pelo acúmulo e pelo excesso, à economia expressiva de Claudio Brites, atenta à multiplicidade que cada pequena palavra pode despertar, é cumprido o papel de uma antologia: ilustrar diversas facetas de um objeto comum.

Hiperconexões constitui, ainda, mais uma etapa no projeto de enriquecer a literatura “mainstream” (aspas enfáticas) com paradigmas próprios da literatura de gênero – projeto iniciado pelo antecessor de Luiz Bras, Nelson de Oliveira. O projeto vinha sendo executado com sucesso na prosa, e agora chegou a vez do verso. Isso pode ser observado já na lista dos autores da antologia, composta tanto por autores conhecidos por sua ficção científica quanto por autores à primeira vista estranhos a ela. Hiperconexões pode ser compreendido assim: como uma ponte ou, melhor, uma conexão entre mundos que não devem permanecer à parte.

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